sexta-feira, 27 de março de 2009

Autobiografia de um indiano Mal-amanhado

Luz e Escuridão. Eis a índia revelada por Aravind Adiga em “O Tigre Branco”, vencedor do Man Booker Prize de 2008, uma obra que utiliza o sarcasmo para fazer o retrato cru de um país real, pobre, corrupto, mal-amanhado. Adiga esquece o politicamente correcto e conta a história de um self-made man indiano que, farto do destino que a sua casta se reservou, se torna num empresário de sucesso à custa de alguma “habilidade” e coragem que só um contexto económico como se vive na índia permite. Não existe saneamento básico nem condições de vida decentes para mais de 90 por cento da população mas o auto-didactismo empresarial revela-se a cada esquina.

Balram Halwai, ou Munna, da casta dos “fabricantes de doces”, ao saber da visita do primeiro ministro chinês à Índia decide contar a este a história da sua vida, ao enviar-lhe uma longa carta. Ao longo da narrativa, Balram confessa um misto de repúdio e consentimento pela sociedade indiana que ainda não se libertou do velho sistema de castas que divide o pais em muito ricos, e corruptos, e muito pobres, eternamente esquecidos, submissos e sujos. Sim, por a Índia de Adiga é suja, muito escura, envolta numa elipse de miséria e corrupção. De fora fica qualquer ponta de nostalgia e lirismo. Os pobres serão sempre pobres, as eleições são ganhas na “secretaria” e os impostos são para evitar, por quem pode. Uma vez criado, sempre criado. Mas, por vezes, alguém que se julga submisso, igual aos demais, pode ser um “Tigre Branco”, alguém especial, diferente.

É assim que Balram se sente depois de uma elogio que recebeu ainda em tenra idade, quando ainda frequentava a escola. O estigma manteve-se durante a sua vida até ao dia que sente que pode mudar de vida. A obediência atinge o limite transforma-se em decisão. O Tigre Branco quer sair do Galinheiro, de Deli. E Sai. Ruma a Bangalore e torna-se num empresário de sucesso, com computadores portáteis, Suv’s, visitas a hóteis de cinco estrelas mas sem telemóvel, por favor, que essa máquina já destruiu o homem branco.

“O Tigre Branco” é, sem dúvida, um livro a não perder que utiliza uma linguagem simples, directa, sarcástica e apaixonante. Devemos agradecer a Shiva, Brahama ou Adiga?

Ainda e Sempre o Holocausto

Foi um dos livros mais badalados pela imprensa espanhola no ano de 2007 e chegou mesmo a ganhar o Prémio Nacional da Crítica e foi finalista do Prémio Salambó. “A Ofensa”, de Ricardo Menéndez Salmón, editado pela Porto Editora, é um dos melhores livros que li recentemente e apenas peca pelas poucas páginas que relatam a história de um pacato alfaiate alemão de Bielefeld, amante de música clássica.

Este romance retrata os dramas psicológicos que qualquer conflito bélico pode gerar, sem piedade ou segundas oportunidades, num vórtice de dor e angustia. A intervenção Nazi na segunda Guerra Mundial deixou marcas que nenhuma negação ao Holocausto, ao Mal, poderá apagar.

O personagem principal da trama, o alfaiate Kurt Cruwell, ao assistir a um episódio durante a ocupação germânica em França, nega, subconscientemente, os sentidos e todo o que daí provém. Torna-se um autómato mas, aos poucos volta a descobrir o doce sabor das sensações depois de uma recuperação psiquiátrica e da companhia de uma enfermeira muito especial, mais tarde sua companheira.

Mas, quando menos se espera, os pesadelos regressam e não conseguimos fugir deles mesmo que saibamos que serão a nossa ruína, a nossa morte.

A prosa de Ricardo Menéndez Salmón revela pormenores deliciosos e faz-nos ler este livro num par de horas. Sem recorrer a diálogos (apenas o faz por duas vezes ao longo de todo o livro), Salmón consegue enfeitiçar o leitor de tal forma que não apetece terminar o livro. Mas como nada dura para sempre, o livro acaba mas nós continuamos a pensar nele. O corpo é, de facto, a fronteira entre cada um de nós e o Mundo. Absolutamente a não perder.

sexta-feira, 20 de março de 2009

A Arte de Escrever um Livro

Espanha viveu momentos bastante delicados durante e depois da guerra civil. O país estava semi-destruído e a dor, a miséria e o desespero sentiam-se num ar pérfido, respirável a muito custo.

É neste contexto histórico e social que Ignacio del Valle nos relata a estória do desaparecimento de um quadro, da autoria de um pintor italiano anónimo, conhecido por "A Arte de Matar Dragões", aquendo da transferência do espólio do Museu do Prado para o estrangeiro por ordem dos responsáveis republicanos.

Arturo, dono de um espírito de cavalaria medieval, é destacado pelo governo para a difícil missão de tentar resgatar a tela desaparecida e envolve-se numa misteriosa, complexa e perigosa rede de acontecimentos e conspirações. Pelo meio, o (anti)herói é assaltado por uma paixão impossível e descobre o calor da amizade e a frieza da mentira e da traição.

Depois de "O Tempo dos Imperadores Estranhos", a Porto Editora oferece mais um livro do espanhol del Valle que nos volta a brindar com um romance cuja escrita eficaz nos prende do início ao fim. Galardoado com o prémio Felipe Trigo de Novela, "A Arte de Matar Dragões" revela-se uma aposta segura para quem gosta de um bom romance policial.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Mão Maldoror Morta


Os Mão Morta sempre foram uma excepção no panorama musical e, por que não dizê-lo cultural, em Portugal. Saídos da obscuridadena cidade dos arcebispos em plenos anos 1980, o grupo de AdolfoLuxúria Canibal e comparsas marcou toda a carreira alicerçada numa componente visual vincada. Os espectáculos ao vivo sãoo expoente dessa arte cénica.

Depois de muito bem sucedido e conseguido “Müller no Hotel Hessischer Hof”, de 1997, os guerreiros de Braga voltam à carga com “Maldoror”, em dvd, depois da edição dupla em disco. Esta gravação remete-nos para o espectáculo que os Mão Morta apresentaram no Theatro Circo de Braga, nos dias 11 e 12 de Maio de 2007. O espectáculo é baseado no livro "Os Cantos de Maldoror", obra escrita em finais do Séc. XIX por Isidore Ducasse, sob o pseudónimo de Conde de Lautréamont. A música original de “Maldoror” é da autoria de Miguel Pedro, excepto “O Herói (pt. 2)” da autoria de António Rafael e “O Sonho”, original de Vasco Vaz.

A encenação é de António Durães, a cenografia de Pedro Tudela, os figurinos de Cláudia Ribeiro, a videoplastia de Nuno Tudela e o desenho de luz de Manuel Antunes. A não perder, à imagem do que a banda já nos ofereceu.

segunda-feira, 9 de março de 2009

A Dura Arte de Crescer


A ideia deste projecto surgiu quando o director do jornal El Pais encomendou a Juan José Millás uma reportagem a sobre si mesmo. A proposta evoluiu e chega-nos agora "O Mundo", livro auto-biográfico que nos envolve e faz sonhar com uma infância, eterna, que é parte de todos nós e que traz a reboque as cicatrizes de uma vida interia.

Os temas são muitos. Um amigo doente, o primeiro (des)amor, o pai e a mãe, a morte, a existência, por vezes doce, outras amarga. Todo o argumento serve para invadirmos, e sermos invadidos, por um secreto universo que nos parece familiar, perto, nosso.

A escrita de Millás entranha-se de uma forma viciante e as 174 páginas do livro recentemente editado plea Planeta, revelam "um doce atropelo em forma de romance". Afinal a nossa rua de sempre pode ser o Mundo. 

sábado, 7 de março de 2009

Dark Was The Night


A Red Hot é uma das mais conhecidas organizações que têm como objectivo relembrar e, acima de tudo, consciencializar, o mundo para o flagelo que é o vírus da Sida. A arte aliada à expressão cultural é a forma escolhida para fazer chegar esse alerta a todos nós.

No ano em a Red Hot que apaga as vinte velas, surge este Dark Was The Night em dois formas: Cd Duplo, ou triplo LP. Na génese do projecto estão os gémos Dessner, baixista e guitarrista dos The National.

Dark Was The Night reune nomes consagrados da música dita alternativa e ao longo dos discos as pérolas surgem de forma natural e, podemos dizer, esperada.

Juntar Arcade Fire, Beirut, Antony, Cat Power, The National, Andrew Bird, Bon Iver, Conor Oberst, Yo La Tengo, Feist, Sharon Jones, David Byrne com os Dirty Projectors, Spoon, Stuart Murdoch, The Books, com José González, Rice Boy Sleeps (aposta do vocalista dos Sigur Rós),David Sitek dos TV on the Radio e Kronos Quartet só pode dar excelentes resultados.

Para credibilizar ainda mais este projecto, junta-se-lhe o selo da lendária 4AD. Em Portugal, contamos também com o apoio da Radar. Sem dúvida, uma das melhores supresas do ano até à data.